Depois de uma noite mal dormida, é difícil manter a motivação para treinar. A higiene do sono mostra como hábitos, humor e performance física estão conectados.
Segundo a Dra. Priscila Ruwer, psiquiatra em Curitiba: “O sono é o alicerce de tudo. Sem ele, nem o humor nem o corpo funcionam no máximo.”
A boa notícia é que pequenas mudanças, começando hoje à noite, podem melhorar o sono, estabilizar o humor e aumentar o rendimento nos treinos— fundamentos essenciais da higiene do sono.
Por que uma noite ruim deixa você irritado e sem vontade de treinar
Sabe aquele dia em que tudo parece mais difícil? A culpa pode ser do sono. Dormir mal aumenta a irritabilidade e reduz o controle emocional — não é falta de força de vontade.
Apenas uma noite ruim já eleva ansiedade e fadiga, deixando o cérebro menos eficiente para focar no que importa.
Expor-se à luz forte logo pela manhã ajuda a regular o humor e aumenta a disposição. “A luz matinal pode realmente ‘resetar’ o humor”, explica a Dra. Priscila. Essa prática faz parte de uma rotina de higiene do sono eficaz.
Quanto sono você realmente precisa para treinar bem
A qualidade e a regularidade do sono impactam diretamente o treino. Dormir mal deixa os reflexos lentos, os movimentos imprecisos e tudo parece mais pesado.
Dormir mais e fazer cochilos estratégicos melhora o desempenho físico e mental. A falta de sono reduz força, resistência e coordenação, além de aumentar a sensação de esforço — fazendo o mesmo treino parecer muito mais cansativo. Tudo isso reforça a importância de manter uma boa higiene do sono.
O protocolo prático: o que fazer hoje à noite e amanhã cedo
Agora vamos ao que interessa: um passo a passo que você pode começar a usar hoje mesmo. Cada estratégia tem uma razão de ser, e juntas elas criam um sistema que melhora tanto o sono quanto os treinos — pilares da higiene do sono para atletas e praticantes de atividade física.
Controlando a luz (o regulador mais importante)
A luz é o principal regulador do sono, mas costuma ser usada de forma errada. Três horas antes de dormir, reduza a iluminação, prefira luzes indiretas e evite telas brilhantes — ou use filtros de luz azul.
Mantenha o quarto escuro durante a noite, cobrindo LEDs e usando cortinas blackout se necessário. Mesmo luz moderada pode afetar o sono e a saúde.
Pela manhã, exponha-se à luz natural nos primeiros 30 minutos após acordar, ou use luz artificial forte por 10–15 minutos para estimular energia e bom humor. Esses hábitos são essenciais dentro de qualquer rotina de higiene do sono
Temperatura ideal para adormecer
Para dormir bem, o corpo precisa esfriar. A temperatura ideal é cerca de 18°C, o que ajuda o cérebro a identificar a hora do sono. Se não puder ajustar o ambiente, use roupas leves, ventilador ou tome um banho morno — que, depois, ajuda o corpo a esfriar.
A regra de ouro: horários consistentes
Dormir e acordar sempre no mesmo horário — incluindo finais de semana — é uma das coisas mais importantes que você pode fazer pelo sono. Seu corpo funciona melhor com previsibilidade, e essa consistência fortalece seu ritmo circadiano natural, componente-chave da higiene do sono.
Criando uma rotina de desaceleração
Duas horas antes de dormir, comece a “desligar” o dia. Desligue dispositivos eletrônicos ou pelo menos diminua o brilho, faça algo relaxante como leitura, banho ou alongamento leve. Evite conversas pesadas ou trabalho intenso nesse período, e prepare o ambiente: quarto arrumado, temperatura adequada, tudo pronto para uma noite tranquila.
Cuidando do ambiente
Se morar em lugar barulhento, invista em protetores auriculares ou ruído branco — um ventilador ou aplicativo de sons da natureza funcionam bem. Ambiente abafado também atrapalha o sono, então deixe uma janela entreaberta ou use ventilador para circular o ar. O ar parado dificulta o adormecer e pode causar despertares durante a madrugada.
A manhã seguinte
Logo que acordar, exponha-se à luz natural e faça algum movimento leve como alongamento ou caminhada. Evite ficar “enrolando” na cama com o celular — isso consolida o ciclo circadiano e melhora o humor para o dia inteiro, criando um ciclo positivo que facilita o sono da próxima noite.
Cochilos funcionam? Como usar sem estragar a noite
Cochilos bem planejados são uma ferramenta poderosa, não uma muleta para compensar noites ruins.`Pesquisas recentes mostram que cochilo durante o dia, mesmo depois de uma noite normal de sono, melhora a performance tanto em atletas quanto em pessoas que se exercitam por hobby.
Timing e duração ideais
O melhor horário para cochilar é entre 13h e 15h, evitando depois das 16h. Cochilos de 20–30 minutos dão energia rápida; de 45–90 minutos favorecem a recuperação.
Em atletas, cochilos de 25–45 minutos após o almoço melhoram o desempenho. Para explosão, 20 minutos bastam; para resistência, períodos mais longos são mais eficazes.
Evidências práticas
Um estudo com jogadores de basquete mostrou que dormir mais aumentou a precisão dos arremessos e acelerou os sprints.
Dormir bem é estratégia de performance, não preguiça. Se o cochilo atrapalhar o sono noturno, reduza o tempo ou ajuste o horário — ele deve apenas complementar o descanso principal.
Os três sabotadores do sono: cafeína, álcool e telas
Estes são os principais culpados por noites mal dormidas. A boa notícia é que existem “horários de corte” claros que você pode seguir.
Cafeína: um estimulante que dura mais que você imagina
Corte a cafeína 6 horas antes de dormir. Isso inclui café, chá preto, refrigerantes e chocolate. Se você dorme às 22h, sua última dose deve ser até às 16h. Por que 6 horas? Porque estudos controlados mostram que mesmo quando você não “sente” a cafeína, ela ainda está atrapalhando a qualidade do seu sono de forma mensurável.
Álcool: o falso amigo do sono
Evite álcool 4 horas antes de dormir, seguindo as recomendações nacionais brasileiras. Embora o álcool inicialmente cause sonolência, ele fragmenta o sono durante a madrugada, reduz o sono REM (a fase mais reparadora), causa despertares frequentes e deixa você mais cansado no dia seguinte.
Telas à noite: o ladrão da melatonina
E-readers e telas com LED atrasam o relógio biológico, reduzem a melatonina e dificultam o sono. O ideal é evitar telas 2 horas antes de dormir. Se for necessário usá-las, ative filtros de luz azul e priorize atividades sem telas, como ler, conversar ou ouvir música.
Seu biotipo influencia o melhor horário para treinar
Algumas pessoas são naturalmente matinais, outras noturnas. Entender seu “cronotipo” pode ajudar você a otimizar tanto o sono quanto os treinos.
Como isso afeta a performance
Pesquisas indicam que o pico de performance varia conforme o cronotipo. Pessoas noturnas costumam ter melhor rendimento no fim da tarde, enquanto as matinais se destacam em treinos pela manhã.
Ajustando sua rotina
A melhor estratégia é alinhar treinos, refeições e exposição à luz ao seu ritmo natural. Se você é matinal, aproveite as manhãs para treinos intensos e luz natural. Se é noturno, prefira o fim da tarde — mas evite treinar perto da hora de dormir.
“O ideal é respeitar sua tendência natural e manter a higiene do sono”, explica a Dra. Priscila. “Ajustes graduais funcionam melhor.” Independentemente do cronotipo, a luz matinal e horários regulares de sono ajudam a regular o ritmo circadiano.
Jet lag social e viagens: como não deixar o sono bagunçar
Fins de semana desregulados e viagens criam “mini jet lags” que afetam tanto o humor quanto a performance. É mais comum do que você imagina e cobra um pedágio significativo na consistência dos treinos.
O problema do fim de semana
Cerca de 23% das pessoas têm “jet lag social” de mais de 1 hora — ou seja, a diferença entre os horários de sono da semana e do fim de semana é grande o suficiente para confundir o corpo.
A variabilidade média do sono fica em torno de 41±30 minutos em amostras populacionais, e isso está diretamente associado à sonolência diurna excessiva.
Viagens e performance
Cruzar 2 ou mais fusos horários, especialmente viajando para o leste, reduz significativamente a performance e atenção. Evidências de ligas esportivas profissionais mostram que times visitantes têm desvantagem mensurável quando enfrentam mudanças de fuso consideráveis.
Estratégias práticas
Para viagens, implemente um ajuste progressivo 3-5 dias antes da partida: vá dormindo e acordando 15-30 minutos mais cedo (viagem para leste) ou mais tarde (viagem para oeste) a cada dia. No destino, exponha-se à luz local nos horários corretos, use cochilos estratégicos de no máximo 30 minutos se chegar muito cansado e mantenha-se bem hidratado.
Para o jet lag social de fim de semana, tente manter no máximo 1 hora de diferença nos horários de sono em relação aos dias úteis. Se “bagunçar” muito, volte gradualmente à rotina usando a luz matinal para ajudar no reajuste.
Quando buscar ajuda profissional
A higiene do sono resolve muitos problemas, mas a insônia crônica precisa de acompanhamento especializado que vai além de ajustes comportamentais simples.
Sinais de que é hora de procurar ajuda
Procure ajuda profissional se apresentar dificuldade para dormir 3 ou mais vezes por semana por mais de 3 meses, ronco alto com pausas na respiração (possível apneia do sono), sonolência excessiva durante o dia mesmo dormindo aparentemente bem, bruxismo severo, episódios de sonambulismo ou outros comportamentos estranhos durante o sono, ou humor deprimido persistente.
O que realmente funciona
A Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (CBT-I) é o tratamento de primeira linha recomendado pela Academia Americana de Medicina do Sono desde 2021. Essa abordagem atua sobre comportamentos e pensamentos que perpetuam a insônia.
As diretrizes brasileiras de 2023 também priorizam intervenções não medicamentosas antes do uso de remédios. Além disso, tanto a Academia Americana de Medicina do Sono quanto o Colégio Americano de Médicos recomendam cautela no uso de medicamentos. Importante: a melatonina não é indicada para insônia crônica em adultos.
Mantendo a consistência: como transformar isso em hábito
O segredo está em criar um ciclo que se auto-reforça: sono de qualidade gera humor estável, que resulta em treinos melhores, que promovem recuperação adequada e facilitam o sono da próxima noite.
As três mudanças com maior impacto
Se você só conseguir fazer três coisas, foque nessas: horários consistentes para dormir e acordar (incluindo fins de semana), controle adequado da luz (escuro à noite, brilhante de manhã), e cortes estratégicos de cafeína 6 horas antes de dormir e álcool 4 horas antes. Essas três ações sozinhas podem transformar sua qualidade de sono em 2-3 semanas.
Acompanhando seu progresso
Desenvolva um sistema simples de automonitoramento: avalie diariamente seu humor ao acordar numa escala de 1-10, quantos minutos levou para adormecer, e como foi a percepção de esforço no treino.
Semanalmente, faça ajustes baseados nesses dados. Se o humor matinal está consistentemente baixo, revise a exposição à luz. Se os treinos parecem mais difíceis que o normal, investigue a qualidade do sono da noite anterior.
Lembre-se: a rotina do sono não é sobre perfeição, é sobre consistência inteligente. Pequenos desvios ocasionais não destroem o progresso, mas padrões consistentes criam a base para uma performance sustentável — tanto na academia quanto na vida.





